Poesia Permanente

"a forma de escrever é provisória, a poesia é permanente" Rosa Lia Dinelli

Este ponto de partida
Marca a chegada
De onde eu sairei

Um ponto
Apenas uma parada
No meio da avenida

E os carros passam cegamente
Loucamente ávidos pelo destino
E os carros voam apressadamente
Como se não fosse necessário esperar

Todos passam neste ponto
Apenas uma parada
Dos raros que são poucos

Este ponto de partida
Que marca a chegada
Dos poucos que são raros.

A surra farta de palavras
Tão bem ditas e amoladas
Não bendita ao que se reservou

Um livro repleto de presságios
Não tão vários em seu futuro
A tatuagem do que passou

Letras de um destino solitário
Para pagar a língua
De um vão proferidor!

Manhã de um sol ainda a nascer. Quase cinco. Ele com seu livrinho de histórias infantis em francês. A rua quase deserta, se não fosse pelas raras pessoas que saiam para trabalhar como ele àquela hora. O ponto de ônibus vazio. A quietude da cidade devido ao horário, trazia pra perto de sua audição o cantar de pássaros misturado com o soprar do vento balançando os galhos das árvores na calçada que lembrava, ao menos de longe, o clima eterno de sua cidadezinha interiorana. Ele morava na capital há alguns anos. Já acostumado a todo o caos; toda a superficialidade das pessoas, a falta de amigos verdadeiros e principalmente do amor não fraterno. Amor este que sonhava desvairadamente anos atrás.

A cabeça vazia de qualquer pensamento que não o de chegar ao trabalho e dar início ao expediente que se estenderia até as onze horas. Correria para almoçar no mesmo boteco de sempre e tentaria voar para a faculdade; que por sinal estava para acabar e não via a hora que chegasse ao fim para fugir (ou ao menos tentar) de toda aquela podridão demasiadamente urbana. O sol custava a nascer. E a aparente manhã anoitecida causava-lhe um sono preguiçoso. O seu ônibus. Trinta e cinco minutos até o trabalho. Ele acenou com a mão. O veículo parou aparentemente vazio. Ele subiu e entrou totalmente desapercebido desferindo um bom dia cego, sem ao menos ver a cor do motorista. Passou pela catraca e sentou-se como se fosse o rei do ônibus: único passageiro. Seria único se não fosse pelo bom dia que ouviu após sentar. A voz madura e feminina surgia de trás. Ele olhou. Ela o olhou. Eles se olharam. Ela fez menção em sentar-se ao lado dele. Ele nem tinha percebido que havia se sentado num assento para dois. Ele se expressou afirmativamente com a cabeça. Ela se sentou ao lado dele. Já passava das cinco. O sol não havia nascido ainda. Tudo escuro. Ela olhou-o como quem analisa e percebeu em seu colo o livrinho francês de historinhas infantis.

- Este livro é antigo sabia?
- Não.
- Pois sim. Tenho um desse em minha estante da sala. Você estuda francês?
- Sim, estudo, sim. Ah... me desculpe. Bom dia para a senhora também.
- Não se incomode, filho. O corre-corre da cidade inibe cada vez mais nossa educação recíproca!
- Me desculpe...
- Tudo bem. Eu estudei francês faz tempo. Ainda me lembro de alguma coisa... Faz tempo que você estuda?
- Tem alguns meses, pego rápido.
- Na sua idade eu também pegava... Adoraria voltar a estudar francês.
- Nunca é tarde! Posso indicar a senhora a escola em que estudo.
- Você é um menino raro! Não vejo mais jovens assim como você hoje em dia.

Ele a olhou por alguns milésimos de segundo como se fosse uma eternidade o suficiente para entender que aquela senhora era tão rara quanto ele. O ônibus já havia feito metade do percurso para o trabalho dele. Eles já haviam conversado muito. Ele falado do pouco de sua vida. Ela falado de sua vida e muito mais. Ele havia contado de um tudo a respeito de seu pouco de vida. Contou inclusive que não tinha ninguém. "Pessoas raras merecem pessoas raras. E elas são tão difíceis de se encontrar... mas um dia se encontram... Faz dez anos apenas que me casei, esperei bastante, mas estou feliz como nunca estive" foi a última fala dela antes de se levantar e fazer sinal para descer: um pontos antecedente ao dele. Ele anotou rapidamente o nome da escola de francês e entregou a ela pedindo para que ela a procurasse. E o procurasse também para mais conversas agradáveis. O ônibus parou. Ela sorriu. Ele sorriu de olhos fechados. Ela desceu. Ele abriu os olhos e se levantou. O ônibus seguiu e ele fez sinal para descer.

O sol, enfim, nasceu de um parto espontaneamente natural e rápido. Uma luz radiante enfeitou o dia! O Ônibus parou. Ele desceu. Ele ainda sorria! Olhou para trás par tentar vê-la pela última vez. A rua completamente vazia e radiante do sol que acabara de nascer. Era ele, a rua e a sua sombra. De alma renovada, foi então que ele percebeu que estava só no ônibus. Ele havia acordado um ponto antes do seu.

A Dio

O chacoalhar daquele ônibus velho que servia de transporte urbano, fazia aquela garotinha deitada no colo do pai que viajava sentado chacoalhar mais que as vidraças. Meus olhos a observavam meticulosamente. Ela dormia e exprimia expressões de angústias em seu rosto. Seria o sonho? Seria o barulho das vidraças das janelas? Seria o ronco do motor? As pessoas viajavam silenciosas, não poderia ser barulho de gente. Ainda havia uns dois ou três assentos. Seria o mundo?

Tão pequena e ignorante de tudo o que a cerca. Ela dormia, ou tentava. Vez por outra levantava sua cabeça entreabrindo falsamente os olhos como quem vai acordar. Mas apagava bêbada de sono no ombro do pai. Meus olhos continuavam a acompanhar toda aquela dança. Eles se perguntavam o que poderia estar passando naquela mente tão pequena e virgem desse mundo. Ainda de olhos fechados como quem dorme, ela chorava, soluçava e rapidamente entrava numa quietude sonífera espetacular. Era um espetáculo teatral improvisado da vida. Meus olhos filosofavam em meio a tanta cena. Seria apenas um comportamento típico infantil? Dois anos? Três anos? Quantos anos teria?

O pai se levantava com uma calma contrastante ao balançar do ônibus. Compassadamente como quem dança, para não despertar a menina; que mudava de expressões bruscamente. Aparentemente adormecida e angelical, ela mexia a cabeça no ombro, chorava e voltava a dormir... sonhar?!? Já de pé fez sinal para descer e foi pela porta da frente. Para ser mais cômodo ao sono da menina. Meus olhos se perderam da cena. Mas minha retina retinha tudo o que se passou.

Ela sonhava com o que viria. Acerca do futuro. Sonhava com o mundo e chorava. E inquietava. Dois anos? Três anos? Quantos anos teria? Todo um mundo enfeitado de fantasias. Quantos anos até que tudo se tornasse realmente real? Quantos anos até descobrir que ao passar do tempo melhor não mais chorar e apenas sonhar?

Existe um rio sem fim. Há de se nadar por ele. De visão perpendicular pelo seu córrego, vê-se a direita e a esquerda de seu cursar. Eis a questão a qual lado nadar. E se joga água a dentro deixando a força corrente do rio guiar. Esta mesma força que guia, mostra os entraves que há em seu curso. Pensa-se ser mais fácil deixar a correnteza conduzir todo o caminho e descobrir se em algum ponto chegará o seu fim. Para cada qual o seu rio. E para cada qual seu percurso. Assim como para cada qual a escolha de se nadar a favor ou contra a correnteza. Resta saber o porque de tanta gente e tanto rio. E se apenas este que aqui na frente passa se tem de nadar sozinho. Nadar contra a correnteza se faz necessário, pois talvez o fim deste rio se encontre lá. Mas pode cansar. E se faz necessário boiar para que a correnteza leve... para o fim ou para o começo?

Ela sabia que estava sempre sozinha. Sabia também que ela era eu. Ela sempre saia de tudo. Inclusive de si mesma. Ou sempre soube... não se sabe. O que se sabe ao certo é que tudo se tem a primeira vez. E seria essa, a primeira vez em que ela desbriria sobre algo que nunca houve. Mas passou a acontecer dentro dessa sempre solidão e dessa certeza absoluta das coisas.

Era a observar os passáros ao entardecer na praça, que ela namorava toda a sua solidão. Assistindo aos alados a fugirem do resto de sol, ela mantinha o absolutismo de sua vida. Mantinha pragmticamente impecável com seu conhecimento holístico. Nascia alí a primeira iconsciencia de algo.

Olhando os pombos ao entardecer; as pessoas à penumbra estrelada. E descobriu que ela assumia a cada amanhecer outra identidade. Sempre da que menos se identificasse e adivinhasse que fosse tudo num espaço de tempo imperceptível: entre o o passar de um neurônio com a informação em seu cérebro de um extremo a outro. Então todo o absolutismo dela se desmorona...

Até ela perceber que já fora todos e inclusive eu. Todo o absolutismo se recompõe. Agora ela pode e vai ser o que quiser: esta caneta, este papel... eu... você... eu! Ela! E todo o absolutismo de conhecimento holístico retorna ao lugar de sempre.

"Ela lembrou-se que era sozinha... ela lembrou-se que ela sou eu".


[citação e inspiração de Talita Moraes http://texto-me.zip.net/ - postagem de 08/08/2007:12h14]

Está sendo só música. Onde se pisa saem notas harmoniosas. De um vazio sem explicação. Ondas e ondas sonoras passeando pelos recantos d'alma e ecoando em algo intrissecamente guardado. Está sendo só música. A 23ª nota de muitas outras mais. O corpo é música. A alma é música. O coração é música. O ar, o vento, a chuva, o sol e a lua são músicas nessa vida... e somente música. E sentado na cadeira dessa vida que se vai passando as páginas da pasta. E vai se lendo música por muito e muito tempo. E será só música... ainda que sem os ouvidos.


Aos meus 23 anos.

Aviso a todos os meus sentimentos e sentido, que a partir de então toda a forma de construção textual estrofada entrará em férias forçadas; sem data para retorno. Até que se consiga compor uma construção textuall prosaica. Vale ressaltar que o que entra em férias é a forma de construção textual estrofada e não a poesia ou o ato literário. Porque "a forma de escrever é passageira, mas a poesia é permanente".

Minhas duas rosas pequeninas
Plantadas desde cedo
Logo tarde desabrocharam

Uma luz intensa
E a sentença desigual
Onde tudo está realmente alojado

Pés de manhã
Que pisam o chão frio da madrugada
Cabeça de noite
Que vagueia toda tarde pela estrada

Minhas duas rosas pequeninas
São pés e botões
Raízes de meu viver

Um vento intenso
Despedaçado desse quase outono
Onde tudo cai junto às folhas.

Não adianta você dizer para eles
Que o que se quer já foi querido
E o que se sente não está escrito

Não adianta você mostrar que tudo se herda
Que o que se é já se foi um dia
E o que virá não está de tão longe alcance

Mas o que se sente não está escrito
Muito menos descrito que não se pode mudar
O jeito de ser seu fugia a tudo e todo sentido
As linhas estão prontas em pautas-ladrilho
Os passos são deles em que pedra pisar

Não adianta você no ouvido deles gritar
Que o que eles sentem faz sentido
E adimita que nem você sabia disso

Não adianta, não adianta nada disso
Deixe eles dizerem, gritarem, mostrarem
E o sentido você mostra no fim adiante.

A Rômulo Bartolozzi

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