Poesia Permanente

"a forma de escrever é provisória, a poesia é permanente" Rosa Lia Dinelli

Hei, alienígena
Sei que você não é daqui
Que seu mundo está para lá de você
Que você nem assiste TV
Mas respira esse ar que todos respiram

Olha, alienígena
Não pense mais em voltar de onde veio
Te trouxeram para cá não sei como
Apenas sei que estamos no mesmo meio

Vista todas essas roupas
Ande como quer que ande
Se adapte a todo esse mangue
Só não coma da mesma lama que eles
Lembre que nós não somos daqui
Mas aqui vivemos com eles
E como eles não mostre de nossos poderes
Transformaremos esta vitrine no nosso habitat

Hei, alienígena
Já falamos até a mesma língua
Mas não se assuste em seus passos sempre sós
Pois lá em cima sempre andamos assim
De braços abertos calculando nosso espaço

Olha, alienígena
De tanto respirarmos esse ar
Nascerão pulmões até podermos bem alto gritar
E então saberemos de onde estamos, nossos nomes

A Dio

Eu vejo um retrato
Caído da parede de colagens
E folhas naquele vácuo pictórico
Caindo vagarozamente congeladas

Onde está o vento
Que derrubou o retrato
Onde está o vento
Que derrubará as folhas?

Vou tatuar em minhas costas, bem nas asas, os ventos que você me trouxe. É realmente para não vê-los. Apenas para sentir seus ventos quando sua ausência se fizer. Então irei materializar cada pedaço abstrato seu em minha mente e meu coração sentirá a ilusão da sua presença. E feliz pela tristeza da distância que nos separa em corpos no momento em saber que as matérias fundirão. E sairá vento de nossas asas, ar quente de nossas narinas da saudade que quase vira banzo. Um furacão fixará minha alma na sua e os ventos cessarão... tatuados em minhas costas e materializados na minha mente e no meu coração... até que um dia, o mundo será vácuo. Então seremos o vento do mundo.

Cai gotinhas de chuva
Ele está do outro lado
Do outro lado da ponte
Descoberta de tudo

Cai gotinhas de chuva
Ele está de cabelos úmidos
Querendo passar para o outro lado
Do outro lado da ponte

Cai gotinhas de chuva
Ele está do outro lado
Do final da tempestade
Que passa, mas cai...

Cai gotinhas de chuva
Ele está do outro lado
Vendo o fim da tempestade
E ver se pode passar...

Abra as asas
Mostre esse peito dilacerado
Arranque as cicatrizes
E teça asas para voar

Feche os olhos
Olhe bem essa alma completa
Junte todos os laços
E teça asas para voar

Os passos são passos que passam
Estradas são penhascos
Plataformas sempre prontas
Para esse corpo levantar vôo

E voôu abertamente
Asas, peito e braços
A cima de todo o horizonte
Karmaticamente abraçou o mundo

Sem penas, sem cortes, sem queda
Sem dores, sem mágoas, sem marcas
Só sonhos, só nuvens, só destino
Somente só, somente amor, somente asas...

O caderno não pára
Ele fecha
E as páginas
Continuam em branco
A esfera
Da caneta
Do risco
Desenhando letras
No vento
As páginas virando
Sem vontade
E as idéias fluindo
Os sentimentos
Adiantando
As últimas páginas
E o desejo
Fluindo e escrevendo
Se escondendo
Na página
Na linha
Nas últimas.

Ponto, pronto...
Reticências são três pontos
Até que ponto?
Este fim etílico
Harmônico
Solitário
Karmático
Ponto, pronto...
Reticências de um fim
Enfim
O tempo passa
Desgasta
E o ponto
Para dar fim
Ponto.
Pronto.

Quando você não está
Está o seu ar
Que me lembra seu cheiro

Em todas ondas do mar
Reflete seu rosto
Na areia meu leito

Não consigo entender
Todo esse eco que grita sozinho
Ando nas nuvens pensando em você
Em qual parte se encontra nosso caminho

Meus suspensórios me puxam para trás
Meu peito pede seu encontro
Seu peito não ouço nada mais
Só ouço meus gritos surdos no escuro

Às vezes ela se pega deitada e repleta de sensações. Uma montanha-russa. E olhando fixamente paro o breu do teto de luz apagada. Apenas o som de sua respiração abafado pelo som do ventilador de 40cm que sempre a ninou. Sem ele ela não dorme bem. E ela se pergunta quem está acima de todos os trilhos. Quem fica parado naquele limiar de onde o carro emborca e cai bruscamente. E se esquece de tudo: sentimentos, emoções, vida... e depois sobe aos poucos... às vezes fica de cabeça pra baixo. Quem está abaixo de tudo?

E com a mesma simplicidade da escuridão de seu quarto, ela descobre as respostas: Ela! Está acima e abaixo de tudo. E fica acima e abaixo; e no limiar, por que não? A vida não é um carrossel. É uma montanha-russa. Então ela descobriu mais: anormal são os outros que dizem que há linearidade e estabilidade sentimental. Não hám da vida, diga lá de sentimenos. Ela jogou um lençol dobrado na cara e se cobriu com outro. Vestida com seu pijama azul, dormiu.

Rios desses risos que sorriem
Não sei de onde...
Onde se escondem?
Quando conto um a um
Até o último número...
Onde te escondes?

Meus olhos querem apreciar
Cada linha desses lábios
Cada traço destes passos
Que te fazem correr...
De quê?

Fecho os olhos e vejo logo
Só seus olhos que não buscam os meus
Até quando...
Acordarei tendo a certza
Que meus ares são teus?
Até quando...

E onde
Poderei escrever teu nome
Para sempre bem ao lado do meu
Em letras tortas...
E pronto
Tudo torto, mas bem certo
Que a vida é torta, nada é perfeito
Nem nós!

Alice sonhava que não sonhava. Tinha seus quinze anos vividos intensamente como quem viveu até os trinta e cinco. Até o que menos se possa imaginar. Mas sem o ato carnal das experiências. Sua vida se construiu ao lado de um pai viúvo com ideologia hippie e uma sapiência intelectualóide assustadora. Explica-se em Sr. Arnaldo toda a influência literária, musical, cultural, artística... em especial a pré-maturidade e o desejo de observar tudo.

Desde pequena, ainda quando Sr. Arnaldo era casado com D. Maristela, Alice mais via que ouvia seus pais sentados no chão da sala de poucos móveis a ouvir de Chico Buarque a Led Zepplin e Beatles. Via seus pais a ler de Chico Xavier a Sartre e Tolkien e depois correlacionar e interligar o coquetel literário. Assistir a teatro, shows... e foi num balet do grupo Primeiro Ato que Alice, em seus seis anos, despertou um desejo orgásmico em seu comportamento detalhadamente espectador. Aos sete, um ano depois de assistir a um balet teatral sobre Nelson Rodrigues, Alice congelou o seu voyeurismo.

Num barracão cultural próximo ao apartamento uma briga entre duas lésbicas que nunca freqüentaram o local, Alice viu uma garrafa de cerveja ser atirada ao léu bater numa pilastra se espatifando e um grande caco rasgar a jugular de D. Maristela, enquanto conversava sobre a vida com Sr. Arnaldo.

A primeira vez que Alice fechou os olhos para o sangue que jorrou em sua face dócil não o ruborizar a imagem do pescoço de sua mãe degolada.

Três meses depois, ela abre os lhos para o mundo e passa a senti-lo com a visão. Nunca..., nunca..., nunca trepou, nunca se drogou, nunca beijou ... mas viveu e sentiu todas essas experiências com os olhos. Sentada enquanto os outros faziam tudo. E o prazer orgásmico a preenchia completamente. E assim fora toda a sua vida. A única coisa que não via eram espelhos. O reflexo era irreal.

Aos 75 anos, passeando na praia, sozinha, despercebida, olhando para seus passos na areia, uma poça d’água revelou que o tempo passou e que ela nada fez. Mas viu. E isso não é vida para se ter. Alice morreu no dia seguinte ao ver seu reflexo na praia. Morreu dormindo, abraçada num espelho em cima de sua cama do quarto de vida.

[Inspirado em Talita]

Chão de pedra, sol a pino
Mais uma batalha dantesca
Perdura nesse cotidiano
Não se pode ir contra o sistema
Quimera parece ser o destino
Remando contra a correnteza
O pobre arcano desse jogo já cortado
Em cartas lumes flutuantes
Nem tão certeiro, nem tão errante
Dia-a-dia que ao fim do dia é outro dia.
Só vale a linha a viver neste teorema
Que quem luta luta e quem dorme não se atenta
O quão a vida se desmancha pitoresca
Há de viver desse ir e vir com certeza
Só se vive em círculo como o pobre arcano

Plataforma de pousos visuais
Os meus tão norteados
Aterrissados em teus lábios estendidos
E seu cheiro,
Bússola de meu olfato
Mesmo que ainda intrafegável
Navega livremente em minhas vias
E minha mente
Mente pra si mesma da força
Que me desaba de forma inesperada
Inebriante, molda meu eu
A ser um porto pra você repousar.

São passos, são horas, caminhos
Contados, pisados caminhos
As curvas viradas a olhos cegos
Ladeiras descidas que subirão

É um mar de leite
E a cereja mergulhada
Em todo vasto oceano alvo
E minha sede por cerejas
E só uma em todo mar

São planaltos, horizontes, passos
Primeiros, em falso, temores passos
Destino inesperado da cidade sem mapa
Elevadores manuais na densidade láctea

É um mar de leite
E a cereja mergulhada (à espera)
Em cada braçada: a correnteza
E minha certeza incerta de degustá-la
E sentir para sempre seus efeitos em mim.

Eu preciso de um primeiro passo
Ainda que esse passo
Pise o chão depois do meu

Um eco no escuro febril
Que me queima vagarosamente
Longe de tidas as palavras mudas que grito

Eu preciso de mãos acolhedoras em minhas costas
Não tão largas que não se consiga envolve-las
Sem que meus braços os puxem aos meus

Um horizonte nebuloso de inverno
Que embassa de brumas a visão
Da semente eclodida sem ver a luz

Eu preciso que pare de me ouvir
E diga que me ouve pelos olhos
Sussurrando os passos que precisam ser dados.

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