Poesia Permanente

"a forma de escrever é provisória, a poesia é permanente" Rosa Lia Dinelli

Rojões neste céu
Apreciem o horizonte celestial
E gritem, berrem bem alto
Mais alto que nas outras festas
Espantem todos os males
Ressequem todos os maus espíritos
E umedeça todos os corações
Com essa chuva de despedida
Gritem, berrem o mais alto que puderem
E continuem celebrando a divindade
A pureza omissa do mundo
E no mundo resseque todos os impuros
Mas umedeça todos os corações
E todas as almas que ouvem os gritos
Afastando do mundo todos os maus espíritos
Que perto de mim já não os quero mais!

Não existem perdedores. Mas eu sou um nato. E ninguém gosta de perdedores. Mas sempre há uma excessão para tudo. E é ele. Se entra em relacionamento e o destrata, mal cuida dele. E lá no fim de tudo... desanimado,mal olhado... dias, meses, talvez anos sem procurá-lo, ele terá seu cheiro guardado. Ainda que fétido.

Meu silênciio é a inocente
Vontade de sentir o diferente
Sem parar para pensar
Em pormenores barreiras

Quero me afogar nesses olhos
E nadar em todos os lábios
Ainda nos que não existem
Saltar do topo do mais alto pensamento

E chegar lá no foço de tudo
E perceber tudo o que se passou
E não sentir dor ao olhar para cima
E chorar para viver tudo de novo

De novo não encontro o caminho
A que um dia venham me encontrar
Para ser rasgado e dissecado
Até que encontrem meu âmago amarrado

Todos perceberão o nó cego da vida
E se é curta ou longa, não sei
Sei que pulei e de cabeça em tudo
Pois a vida é pra ser vivida... e morrida!

(Para o outro)
Tire suas flores de mim
Eu não quero esse velório agora
Guarde tudo que for abstrato
Corra logo, pois a hora passa

Pegue meu relento neste ar rarefeito
E condense todas essas complexidades
Não deixe que meus passos se percam
Corra logo, pois a hora passa

(Para si)
Não tenha pressa, a hora passa
Mas a vida é longa nesse caminho curto
São sete dias na semana, trinta num mês
E ainda assim eu conto segundo a segundo
Para ver mais um abraço mais concreto ao menos

(Para o outro)
Jogue todas as pétalas no chão
Concretizando uma estrada que nos dê passagem
O caminho é muito curto, mas as horas são longas
E eu não vejo a hora de segurar a sua mão.

Eles estavam sentados na cama. De frente para o espelho. E se olhavam face a face. Perfil a perfil. E relutaram durante horas a proferia a primeira vogal que definiria todo um destino começado a pino, hierbolicamente séculos atrás. O olho no olho foi decisivo. Fitaram-se por cinco segundos exatos. E o primeiro "A" saiu de sua boca:

- Não te quero mais...
- Não posso dizer o mesmo!

Respondeu incisivamente a outra parte mais marcante de toda a história. Eles continuavam frente a frente. Vez por outra a linearidade das faces se encontravam, mas nunca os olhos. O alfabeto poderia ter sido inteiramente pronunciado, em todas as línguas. No entanto, a frase decisiva expressada pela parte mais fraca e, de forma tão natural, ressequiu todo um roteiro ensaiado pela parte mais forte. Os olhos não se encontrariam mais. Não diretamente, não retina a retina como sempre houvera e, pela úiltima vez, se despediram.

E o espelho intácto. O mesmo que registrou todas as obscenidades e todas as juras e despromessas. Ele que sempre refletiu aquela cama, horas vazia, horas solitária. Horas amante, horas tratante de uma amor teórico há séculos.

O celular estava na comoda ao lado carregando. Os dois estavam lado a lado refletidos no espelho. Os olhos perdidos pelos metros quadrado limitados do quarto.

Era madrugada. Na região fazia frio. Um único coração relutante aos dois batia de forma compassada esfriando as duas fortes personalidades. Alí. Em frente ao espelho. Era ele o culpado. O espelho. Que ditou toda uma vida. Todo um mandamento de teorias que se perderam com aquelas palavras. Com a cara dele frente ao espelho vendo seu reflexo pelo olhar tangente.

Não mais haveria duas personalidades. Não mais haveria teoria alguma. Só haveriam as experiências; e a certeza do que viveu. Não mais haveria o reflexo do que se foi. Seria apenas a personalidade sui generis. A essência. A pureza.

Segurando o celular que carregava. Arrancou com toda força aquele ínfimo peso. Atirou prazerosamente no espelho. E gozou de alma ao ver os estilhaços. Hora de uma vida sem reflexos. As prateleiras estvam todas arrumadas. Apenas uma personalidade. Sem espelho. Sem o olho no olho daquele reflexo maldito. Hora de seguir um novo começo. Sem seu reflexo. Com uma sombra a busa de outra.

Tantas vezes vi na rua
As estradas que segui
Rumo a todas as curvas
Que me traziam aqui

Tantas vezes qual barco
Preso em correntes vividas
Por vezes me atrasando o passo
Tornando vidas sofridas

Tantas vezes fechei os olhos
Por uma não mais os abri
Pus os pés adiante na vida
Largada as correntes sem me seguir

Tantas vezes a vida passa
E agora ela se passou
Num suspiro em baixo d'água
Do oceano que agora secou

Tantas vezes abri os olhos
Agora os fecho de vez
Deixo toda a dor causada
E as correntes oxidadas

A meu avô morto.

Poesia inspirada do micro-conto "Rua da Frente"

Ei, olhe bem
Você não me conhece
Não sabe a meu respeito
Só sabe do meu rosto
E dessas linhas que me desenham
E me trazem a este ponto onde estamos

Olha, escuta aqui
Eu já te conheço
Mas não sei a seu respeito
Só sei o que você quer aqui
E o que quer saber de mim
E o que vou fazer contigo

São todos esses pontos
Demarcados neste habitat noturno
Cada um na sua dimensão

São todas essas sombras
Que me trazem noite a noite
A este lado do mundo que não é meu

Enquanto eu giro e giro
Voltando só e sempre pro mesmo lugar
E você gira e gira
Até que se encontre comigo
Podendo ficar ou ir
Sei que você vai voltar

Ei, preste atenção
Você nem sabe o meu nome (ainda)
Muito menos minha idade (ainda)
Mas eu já sei a placa do seu carro
E posso até deduzir a quilometragem
E você nunca vai saber nada de mim

Olha, só mais uma coisa
Eu nunca vou te contar minha história
Mas irá saber todas as minhas medidas
É só saber (a) preço que tenho
E vamos logo que a noite é mais criança que eu
E ambos temos nossas vidas a retomar depois.

Você não me conhece. Não sabe da minha história. Só sabe da minha face, das minhas linhas. Da minha miséria. São nessas voltas que encontro a esperança de estar a frio e ao relento pela causa que me trai todos os dias, me fazendo fiel à noite. Fiel a vocês, enquanto o tempo permitir. A minha causa pode ser qualquer uma. Pode ser a sua, a sua, a minha ou nenhuma. Mas façam o que quiser desde que o papel escreva o que tenho que viver amanhã até esta mesma hora a espera de vocês ou de outros. Sim, eu faço tudo, só não me apaixono.

Hoje caminhando rotineiramente pelas ruas dessa cidade tão climaticamente harmoniosa percebi que tenho sombra. E paradoxalmente é nela onde descubro que não sou só e onde se deposita toda a minha solitária individualidade. Era dia enquanto meus passos rápidos me guiavam à labuta. A sombra era intensa e me acompanhava copiosamente. Essas palavras são noturnas e ainda sim a luz artifical da urbanidade moderna me traz naturalmente essa companheira fiel. É aí que me faço perguntas que me trazem automaticamente respostas: e se não houver nenhuma luz? A luz se encarrega de uma ínfima sombra, ela sempre vai estar lá! E se não houver lua? A lua-nova nunca emite luz! Ela estará mais perto do que nunca, do lugar de onde sempre ela sai e de onde ao menos, por uma semana nos momentos obscuros ela retorna: a sombra estará dentro de mim.

Se a minha luz se acendesse
Ascenderiam todas as coisas
E os campos dinamitados desta terra
SE afogariam em meu acender

Duas coisas muito diferentes nesses dedos
Não teriam força ao que difere
Tudo muito parecido nesta festa
Só o vácuo e as luzes neste toque de Miguel

Nada se converte no caderno
Nem o velho, nem o novo, nem o que vai nascer
Meu últero derradeiro desritimado
Em dois passos ida e volta até acabar a página.

A vida
Não está
Nas páginas
De um jogo

A vida
Sempre está
Nas páginas
De um livro

Você mesmo escreve
As linhas dessa paisagem
Eu mesmo não sei
O andar dessa carruagem

Que me leva
Para fora
De tudo

Que é cartesiano
Passo a passo
Não combina

Eu mesmo caminho torto
De olhos bem fechados
Você que me faça abri-los
Quando chegar ao cais do porto.

Meu peito é um velho viajado
Que nunca saiu de seu metro quadrado

Minha velha alma
É um jovem sedento de vida

Meu corpo é um redento de paradoxos
Pronto para pular d'um precipício

E voar...
Até que as penas desabem
E construam meu novo castelo

Meu reino
Será de flores amarelas
Que seguem a luz da realeza

Minhas mãos são enrugadas de dedos
Que sempre tocaram todas as coisas

Meus pés de asas cortadas
Para pousar todos os sonhos no chão

Minha cabeça é uma ilha deserta
Onde posso estar sempre só

E viver...
A vida tem 360º
Onde os ponteiros um dia param

Meu relógio
Marca passo a passo dessa trilha
Que um dia cessará a viagem.

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